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Propostas para aprimorar a defesa da concorrência no ambiente de plataformas digitais são detalhadas em coletiva

Secretaria de Reformas Econômicas apresenta estudo técnico e recomenda dois conjuntos de medidas de aperfeiçoamento ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

As plataformas digitais têm alto potencial para impulsionar a produtividade no Brasil, contribuindo para o crescimento econômico sustentável, mas o País precisa construir um ambiente regulatório saudável, para assim conseguir colher os benefícios da crescente digitalização da economia, garantindo um ambiente competitivo e justo nesse setor. Esse é o principal alerta que a Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda (SRE/MF) apresenta no relatório “Aspectos Econômicos e Concorrenciais de Plataformas Digitais: Considerações sobre o cenário no Brasil e recomendações para aprimoramentos regulatórios e de políticas públicas”, divulgado nesta quinta-feira (10/10), em Brasília.

Durante coletiva, o secretário de Reformas Econômicas do MF, Marcos Pinto, destacou a importância do relatório (lembrando que é resultado de esforços de quase dois anos), ao citar números sobre a atual dimensão do setor. “É inegável, hoje, que os serviços digitais têm um impacto muito grande na economia, sobretudo na produtividade, questão que o Ministério da Fazenda tem ressaltado muito na administração agora do ministro Fernando Haddad. Precisamos ir além das questões macroeconômicas e elevar a produtividade no Brasil. Sem isso, não vamos crescer de maneira sustentável. E os serviços digitais elevam muito a produtividade”, apontou o titular da SRE/MF.

“Queremos que as empresas brasileiras se beneficiem do ganho de produtividade que pode ser obtido mediante a agilização desse serviço. Mas, para isso, é preciso preservar a competição. É necessário que as empresas brasileiras tenham condições de competir em igualdade de oportunidades, sem sofrer com práticas anticompetitivas. É preciso que as grandes empresas estrangeiras sejam capazes de competir no Brasil sem sofrer restrições de qualquer tipo”, apontou Marcos Pinto.

“Esse é o objetivo de nosso relatório: avaliar em que medida o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência teria condições, sem alterações, de lidar com as novas questões geradas pelas grandes plataformas digitais. Nossa conclusão foi de que é preciso aperfeiçoar o sistema, precisamos de medidas legislativas, mudando a nossa Lei de Defesa da Concorrência, e também de algumas medidas regulatórias”, completou o titular da SRE.

“Versão bastante madura”

O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR), João Brant, destacou a importância do relatório, ao contribuir na mensuração dos diferentes impactos dos arranjos institucionais e de mercado do ambiente digital, tanto no ambiente informacional como na capacidade de realização de direitos dos cidadãos. “Os elementos de como a concentração no mercado digital e práticas anticompetitivas podem afetar a inovação, negativamente, e afetar diretamente a concorrência e, portanto, gerar mercados menos dinâmicos”, afirmou.

“É muito importante essa ação do Ministério da Fazenda. O que está sendo apresentado agora é uma versão bastante madura, do ponto de vista institucional e de visão, sobre o que precisa ser feito, os próximos passos”, reforçou o secretário da SECOM, lembrando que o foco final desse aprimoramento é assegurar “melhores serviços para os consumidores, para os cidadãos brasileiros”.

A secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, Lilian Cintra, destacou que o trabalho apresentado é um “relatório técnico muito cuidadoso”, elaborado com a participação e colaboração de especialistas respeitados e renomados. “O que está sendo disponibilizado pelo Ministério da Fazenda é fruto de muito trabalho, esforço e diálogo, com qualidade impecável”, afirmou.

Lilian pontuou que o trabalho da SRE/MF ganha especial relevância por ser um estudo específico de regulação econômica, com aspectos concorrenciais, voltado para a questão do antitruste. “Na minha opinião, é o aspecto mais importante do digital, porque é um tema estruturante. Olhar para o mercado de forma estruturada faz com que tudo fique mais fácil, para que possamos compreender as dinâmicas desse mercado”, afirmou.

Detalhamento

“As plataformas digitais são fundamentais para a produtividade e a economia brasileira como um todo”, afirmou o diretor de Programa da Secretaria de Reformas Econômicas da SRE/MF, Alexandre Ferreira. Ele apresentou os detalhes do relatório e das propostas de aperfeiçoamento do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência diante dos desafios impostos pelas plataformas digitais. “As contribuições convergem para o papel do Cade, por já ser o órgão antitruste. Mas também vemos um destaque para o papel da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações]”, disse Alexandre Ferreira.

O diretor explicou que uma das bases do relatório contou com uma análise teórica e de relatórios comparados. “Ou seja, o que outras jurisdições e governos já publicaram ou já decidiram sobre o tema”, explicou. Outro pilar do relatório foi construído a partir das mais de 300 contribuições à Tomada de Subsídios nº 01/2024, conduzida pela SRE/MF, e que contou com manifestações de 72 participantes, incluindo empresas de vários tamanhos, desenvolvedores e o próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O estudo contou, ainda, com benchmarking envolvendo outras dez jurisdições e análise econômica sobre a realidade no Brasil.

Alexandre Ferreira detalhou as limitações do atual direito antitruste, incluindo a falta de um arcabouço regulatório adequado. Defendeu a atualização dos parâmetros para defesa da concorrência, ao apresentar um conjunto de 12 recomendações nesse sentido. O subsecretário de Acompanhamento Econômico e Regulação da SRE/MF, Gustavo Ferreira, também participou da coletiva.

Confira a apresentação: Plataformas Digitais Aspectos econômicos e concorrenciais e recomendações para aprimoramentos regulatórios no Brasil

Objetivos

A SRE elaborou o relatório com o propósito de aprofundar o entendimento sobre os aspectos econômicos e concorrenciais das plataformas digitais no Brasil e, a partir disso, subsidiar propostas capazes de aprimorar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). A Secretaria alerta que a dinâmica de poder econômico associada a grandes plataformas configura uma nova estrutura de poder de mercado, sobre a qual os tradicionais instrumentos de análise antitruste não são mais plenamente eficazes. Há uma lacuna para identificar problemas e corrigir distorções de forma adequada e tempestiva. Para superar tais desafios, o estudo da SRE/MF recomenda duas frentes de aperfeiçoamento ao SBDC.

No primeiro grupo de recomendações, a SRE/MF sugere reformas na Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011), com a introdução de novos instrumentos pro-competitivos direcionados a “plataformas sistemicamente relevantes”. Também aponta a necessidade de aperfeiçoar o atual desenho institucional, etapa indispensável para assegurar a implementação dessas novas abordagens. Caberá ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) designar plataformas digitais sistemicamente relevantes, por meio de procedimento específico e a partir de critérios qualitativos e quantitativos. Após a designação, o Cade poderá definir obrigações para o caso específico de cada plataforma designada. O novo procedimento será direcionado somente às grandes plataformas e conferirá ao Cade a flexibilidade necessária para o desenho de medidas pro-competitivas em cada caso.

A proposta busca promover a concorrência em ecossistemas de grandes plataformas digitais, assegurando ganhos de competitividade a empresas e empreendedores. Trata-se de conjunto de medidas que busca garantir a produtividade na economia brasileira e o crescimento do ambiente de inovação no país, ao mesmo tempo em que promove boas práticas regulatórias.

No segundo eixo, a SRE/MF propõe a atualização da aplicação da Lei nº 12.529/2011, adaptando os instrumentos e procedimentos de análise de condutas e atos de concentração para a realidade dos mercados digitais. “Embora a lei de defesa da concorrência brasileira disponha de flexibilidade, as ferramentas de análise concebidas para mercados lineares, tradicionais, mostram-se inadequadas para lidar com a complexidade das plataformas digitais”, indica o relatório. As recomendações incluem a atualização de diretrizes para a revisão de atos de concentração e controle de condutas associados a plataformas digitais realizados pelo Cade.

O relatório está dividido em quatro capítulos: “Aspectos econômicos e concorrenciais das plataformas digitais”; “Limitações do direito antitruste: desafios para a promoção da concorrência associados a plataformas digitais”; “Jurisdições em movimento: o cenário internacional de respostas ao digital”; e “Propostas regulatórias e de políticas públicas”.

Nova fase

A SRE/MF adverte que as plataformas digitais redefiniram a maneira como empresas e consumidores se relacionam, impulsionando o crescimento econômico global e moldando diversos setores, em um modelo que segue em ascensão global, inclusive no Brasil. “Setores como fintechs, marketplaces e aplicativos de entrega exemplificam o dinamismo do mercado digital brasileiro”, aponta o estudo, lembrando, ainda, que a coleta e o processamento de dados constituem um pilar fundamental do modelo de negócios das plataformas digitais.

“A emergência de ecossistemas digitais — intrincadas redes de produtos e empresas complementares estabelecidas pelas plataformas — traz novas preocupações econômicas e concorrenciais”, reforça a SRE. Conforme indica o relatório, jurisdições ao redor do mundo têm refletido sobre a necessidade de alterações na legislação e na prática do direito concorrencial, bem como sobre a adoção de novas ferramentas regulatórias pró-competitivas.

Segundo o estudo, há no Brasil um descompasso entre os mecanismos atuais de promoção da concorrência e as novas dinâmicas dos mercados digitais. “De forma similar ao que se observa em outras jurisdições, são necessárias reformas no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência para superar os gargalos identificados”, cita o material.

Empresas de tecnologia que controlam plataformas digitais são hoje as maiores empresas em valor de mercado no mundo, em magnitude sem precedentes, lembra a SRE/MF. “Há 15 anos, as maiores empresas do mundo estavam dispersas em setores tradicionais como petróleo e gás, financeiro, farmacêutico, construção, alimentos e bebidas, telecomunicações e varejo. Em 2023, oito das dez maiores empresas do mundo tinham as plataformas como parte central de seus negócios”, informa o relatório.

Brasil

O relatório mostra a dimensão da economia digital no país. “Em 2023, o país contava com o maior número de unicórnios na América Latina (19), incluindo sete dos dez unicórnios mais valiosos da região, além de ter o setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) com maior valor de mercado e sediar o maior número de fintechs”, cita o estudo.

As empresas nacionais do setor de tecnologia são muito produtivas, destaca a SRE/MF. Apesar de novas, mais de um terço daquelas com até dez funcionários, e dois terços daquelas com 11 a 50 funcionários, apresentaram mais de US$ 10 milhões de faturamento anual. Esse é um “valor significativamente superior à média nacional de empresas nessa faixa, que normalmente enfrentam maiores dificuldades para a adoção de novas tecnologias”, informa a Secretaria de Reformas Econômicas.

Segundo relata a SRE, o setor de TIC é marcado pela alta produtividade, com salários médios, no Brasil, duas vezes maiores que a média nacional. Embora represente apenas 1% da força de trabalho do país e cerca de 33 mil empresas (em universo de 21 milhões), o setor contribuiu com 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023.

“A produtividade do trabalho digital é três vezes superior à das demais ocupações no Brasil. O salário médio de um trabalhador no setor digital é o dobro do que nos demais setores. E esse serviço já representa 9 % de todo o valor adicionado no PIB brasileiro. É um setor já muito grande na economia brasileira”, disse o titular da SER/MF.

Mas apesar de liderar na América Latina, o Brasil ainda está distante da fronteira global, aponta o estudo. “O país ainda não foi capaz de apresentar inovações de impacto global, ou avançar nos segmentos de fronteira tecnológica. Apesar de liderar a América Latina em valor e quantidade de unicórnios, trata-se de desempenho singelo em escala global — os Estados Unidos, sozinhos, têm 40 vezes mais unicórnios que o Brasil”, destaca o relatório.

Síntese das medidas propostas
Grupo 1
Novo instrumento para a promoção da concorrência em casos de plataformas com relevância sistêmica para mercados digitais

1. Estabelecer procedimento para a designação, pelo Cade, de plataformas digitais sistemicamente relevantes.
2. Introduzir obrigações procedimentais e de transparência que poderão ser impostas às plataformas designadas a partir do momento da designação, a critério do Cade.
3. Estabelecer procedimento para que o Cade investigue as plataformas designadas e defina, caso a caso, e na medida do necessário, obrigações substantivas específicas a essas empresas.
4. Unidade especializada no Cade será responsável pela implementação da nova ferramenta pró-competitiva.
5. Implementar obrigações substantivas em cooperação com reguladores como Anatel e ANPD, quando necessário em função de aspectos técnicos e setoriais específicos.
6. Fortalecer as competências do Cade para a realização de estudos de mercado, conferindo a ele poderes para requerer informações e analisar um determinado setor ou indústria.
7. Criar um fórum de cooperação interinstitucional entre o Cade e outros órgãos federais (ex.: Anatel, ANPD, Senacon), para temas relacionados a mercados digitais.
Grupo 2
Ajustes na aplicação do ferramental antitruste a plataformas em geral

8. Atualizar as ferramentas de análise antitruste, para aprimoramento contínuo do arcabouço analítico utilizado pelo Cade para identificar e avaliar riscos competitivos, incluindo novas teorias do dano.
9. Revisar o formulário de notificação de atos de concentração do Cade, incluindo questões específicas sobre os modelos de negócio de plataformas digitais.
10. Considerar a adoção do rito ordinário para casos de atos de concentração envolvendo grandes plataformas digitais com elevado número de usuários, quando atenderem aos critérios de faturamento bruto estabelecidos na lei para notificação prévia obrigatória.
11. Fazer uso, quando necessário, da flexibilidade prevista no artigo 88, §7º da Lei nº 12.529/2011, para requerer a submissão de atos de concentração que, embora não se encaixem nos critérios formais de notificação, possam apresentar riscos à concorrência.
12. Atualizar os valores de faturamento para notificação prévia de atos de concentração estabelecidos nos incisos I e II do caput do artigo 88 da Lei nº 12.529/2011.